Trata-se sobre a necessidade de reconhecimento dos contratos celebrados em meios eletrônico sem assinatura de testemunhas como títulos executivos, sendo reconhecida sua exequibilidade para vias judiciais e extrajudiciais.
Fundamentação:
Primeiramente, devemos contextualizar o cenário atual de desenvolvimento tecnológico que estamos presenciando, com toda a evolução e facilidade que a tecnologia vem trazendo dia após dia.
Sabe-se que a sociedade evolui a cada dia e se faz necessário o ajuste das leis para acompanhar sua evolução, uma vez que caso não exista essa adaptação cairão em desuso ou até mesmo podem barrar o desenvolvimento do Direito com normas ultrapassadas.
No momento que vivemos, com todo o acesso à internet e devido ao cenário pandêmico (Covid-19) que o mundo presenciou, vimos que é necessário o meio eletrônico para celebração de contratos, andamento de processos, entre outros procedimentos jurídicos que regulam as relações sociais.
Ademais, a acessibilidade dos meios eletrônicos é algo incalculável, onde qualquer pessoa em algum lugar do mundo pode ter acesso às informações e é capaz de expressar sua manifestação através da internet.
Com essa evolução tecnológica, algumas leis vêm sendo criadas para regular as relações jurídicas celebradas por meios eletrônicos, e a cada dia vem sendo mais aceitas em tribunais por todo o país.
Um dos maiores exemplos desse desenvolvimento dentro do Direito é a MEDIDA PROVISÓRIA No 2.200-2, DE 24 DE AGOSTO DE 2001 que buscou regulamentar as transições eletrônicas no país e vem sendo bastante utilizada nos dias de hoje, apesar de ter sido criada há alguns anos.
Em seu Art.10 é bem explícito que os documentos eletrônicos assinados digitalmente com o uso de certificados emitidos no âmbito da ICP-Brasil têm a mesma validade jurídica que os documentos em papel com assinaturas manuscritas.
Importante frisar que os documentos eletrônicos assinados digitalmente por meio de certificados emitidos fora do âmbito da ICP-Brasil também têm validade jurídica, mas esta dependerá da aceitação de ambas as partes, emitente e destinatário, conforme determina a redação do § 2º do art. 10 da MP n° 2.200-2.
’’Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil. § 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.’’
O Superior Tribunal de Justiça também reconheceu a validade do contrato com assinatura eletrônica, na qual o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, asseverou que: “A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados”.(3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.495.920).
O supracitado ministro asseverou que “a legislação processual requer a existência de, apenas, um documento hábil para que os títulos executivos sejam reconhecidos, logo, o contrato eletrônico se enquadra nesse conceito, uma vez que gera, através de assinatura digital válida, autenticidade e veracidade”. (3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.495.920)
Desta forma, fica claro que os contratos eletrônicos assinados digitalmente ou eletronicamente geram a mesma eficácia de contratos firmados de forma física com assinatura de próprio punho.
Porém, apesar da comprovação da validade jurídica desses contratos, muitas vezes não é colhido a assinatura das testemunhas, pelo fato de a celebração ser feita em meio eletrônico.
Esse fato vem trazendo várias dúvidas, pois nem o Código Civil nem o Código de Processo Civil são permeáveis à realidade vigente, em virtude da evolução tecnológica vivenciada nas últimas décadas, pois ainda é previsto que se faz necessário a assinatura de testemunhas para que um contrato seja considerado um título executivo passível de protesto e execução.
Sobre o assunto, as assinaturas digitais e eletrônicas têm um maior nível de segurança que uma assinatura feita de próprio punho, uma vez que assinaturas à punho são facilmente fraudáveis, além disso confiar apenas no olhar humano para afirmar semelhança de um reconhecimento de firma, pode trazer futuros problemas.
Já a assinatura digital é autenticada por meio de criptografia. Esse processo é validado com o Certificado Digital. Um documento único e intransferível, gerado a partir de dados pessoais de seu portador, ademais caso o documento seja alterado, impresso, etc. automaticamente as assinaturas constantes se tornam inválidas, evitando assim fraudes e possíveis alterações no contrato celebrado.
Tais fatos comprovam a desnecessidade de assinatura das testemunhas, uma vez que é possível saber que o documento que foi assinado digitalmente ou eletronicamente é válido ou não, pois todos os documentos que são alterados perdem a validade de assinaturas e tem registrado quando foram alterados e quando foram assinados, sendo dispensável o relato de testemunhas, que também podem faltar com a verdade no momento de dar qualquer depoimento.
Seguindo esse pensamento, mais um passo em direção ao Direito evoluído foi dado, onde a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso da Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) para determinar o prosseguimento de uma execução, por entender que o contrato firmado eletronicamente e com assinatura digital prescinde da assinatura das testemunhas previstas no CPC e C.C. ( REsp 1.495.920).
O STJ, entendeu que um contrato eletrônico, se assinado eletronicamente, mesmo sem a assinatura de duas testemunhas, pode ser considerado como título executivo extrajudicial.
Sanseverino destacou que os contratos eletrônicos só se diferenciam dos demais em seu formato, possuindo requisitos de segurança e autenticidade: ‘’A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados’’
Segundo o Relator, ao discorrer sobre os títulos executivos a Lei Processual tem como foco principal a necessidade de existir um documento que ateste a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação, com isso se a assinatura é autêntica e segura, não é viável que o contrato eletrônico deixe de ser considerado como um título extrajudicial por não constar a assinatura de duas testemunhas.
No caso específico citado acima (REsp 1.495.920) o contrato foi firmado eletronicamente no próprio site da FUNCEF, sem presença de testemunhas, devido a mora do devedor foi ajuizada ação de execução que posteriormente foi extinta sem resolução de mérito em primeira instância, sob o argumento da taxatividade do rol de títulos extrajudiciais aptos a serem executados pois no entendimento do juízo, o contrato eletrônico, apesar de válido e verdadeiro, não produz a eficácia de um título executivo extrajudicial.
No voto, acompanhado pela maioria da turma, Sanseverino justificou que a exigência formal das testemunhas poderia ser inviável no ambiente virtual: “A assinatura digital do contrato eletrônico, funcionalidade que, não se deslembre, é amplamente adotada em sede de processo eletrônico, faz evidenciada a autenticidade do signo pessoal daquele que a apôs e, inclusive, a confiabilidade de que o instrumento eletrônico assinado contém os dados existentes no momento da assinatura”
Assim o STJ reconheceu que diante da nova realidade comercial/contratual por meio da via digital, poderá ser reconhecida a força executiva de um documento assinado digitalmente pelas partes, mesmo que sem a presença de testemunhas.
Conclusão:
Por tudo exposto, temos que os contratos celebrados por meio digital que possuam certeza, liquidez e exigibilidade, e ainda seja possível validar a autenticidade e segurança das assinaturas devem ser considerados títulos executivos para as vias judiciais e extrajudiciais.
Além disso, o julgamento do STJ citado apesar de não ter caráter vinculante, representa grande avanço para que os contratos digitais tenham a possibilidade de solução mais rápida e eficaz, pois abre-se um novo entendimento referente a exequibilidade dessa espécie documental.
Esse cenário evolutivo traz segurança jurídica para as Instituições Financeiras e para as partes que usufruem dos serviços de empréstimo, financiamento, etc. pois, através dos documentos digitais, é possível ter um nível maior de segurança dos documentos. Por fim, nos últimos anos a necessidade da celebração virtual de relações jurídicas vem aumentando e o Direito precisa se adaptar à realidade social para que seja possível seguir regulando os vínculos entre as partes.
Jurisprudência:
https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1234309644/agravo-de-instrumento-ai20514562320218260000-sp-2051456-2320218260000/inteiro-teor-1234309661 .
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=t ipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201495920
É o parecer.
Reims Lemos Lopes
Jurídico